Mundos em comparação
de Fabiana Crepaldi
Sabine Devieilhe e Lakmé. Bastaram esses dois nomes para que eu definisse Zurique como a minha porta de entrada para a Europa, no último dia 02 de abril. Desde que interpretou o papel em 2014, na Opéra Comique de Paris – a mesma sala onde, em 1883, Léo Delibes colocou a sua Lakmé no palco pela primeira vez -, Devieilhe já passou a integrar a lista das grandes intérpretes da francesíssima heroína indiana.
Um único detalhe turvou um pouco o entusiasmo desta amante do teatro: ópera em forma de concerto (na verdade, foi semiencenada). Não que eu tenha me surpreendido, pois atualmente tem sido bastante comum a apresentação de Lakmé em forma de concerto: também foi assim no Teatro Real de Madri, no Théâtre des Champs-Elysées, na Opéra de Monte Carlo… Por quê? Tanto a música, quando o libreto de Lakmé fornecem ricos elementos para a encenação, e existem bons diretores capazes de fazê-lo sem cair no orientalismo kitsch, como provou Laurent Pelly na bela produção que estreou em setembro do ano passado na Opéra Comique, tendo, claro, Devieilhe no papel-título.
Embora, segundo o ótimo programa de sala da produção de 2022 da Opéra Comique, Lakmé figure entre as dez óperas francesas mais executadas no mundo, não está entre as dez mais conhecidas do público dos teatros líricos. Todos certamente já escutaram à exaustão o famoso dueto das flores “Viens, Mallika… Sous le dôme épais”, quando Lakmé e Mallika estão colhendo flores de lotus, bem como “Où va la jeune Hindoue?”, a famosa e virtuosística air des clochettes, ou ária dos sinos, quando Lakmé conta a história da filha do pária. São poucos, contudo, aqueles cujo contato com a ópera vai além desses dois momentos. Especialmente no Brasil, além de pouco executada, é uma ópera mal compreendida e subestimada, e quase inexiste material sobre ela em língua portuguesa. Assim sendo, é oportuno que neste texto sobre uma execução em forma de concerto, no qual não há longas discussões sobre a encenação, algum espaço seja dedicado à reflexão sobre a obra.
O Soldado e o Exótico
Lakmé é um daqueles casos que James Parakilas, em seu incontornável artigo publicado no periódico The Opera Quarterly em 1993, agrupou na categoria que chamou de “The Soldier and the Exotic”: “uma estória do amor impossível entre um soldado de um exército europeu e uma mulher pertencente a um povo exótico sob a ocupação desse exército”. Certamente o leitor já se lembrou de outra famosa ópera, a primeira dessa “família”: Carmen, de Bizet, que estreou na mesma sala e apenas oito anos antes de Lakmé. O apogeu dessas óperas coincidiu com o apogeu do imperialismo europeu, encerrado pela Primeira Guerra Mundial. Como aponta Parakilas, são óperas sobre europeus que vão a um mundo exótico: homens “que testam os seus sonhos de escapar para uma vida diferente, e que fecham as cortinas ao provar para si mesmos – e para o público – que o sonho é falso, e o escape é impossível”.
É importante ter em mente que as óperas sobre expansão imperialista diferem daquelas sobre a época dos descobrimentos, situadas séculos atrás. Em primeiro lugar, tratam de um tema contemporâneo, o que as tornou inovadoras: a trama de Carmen se passa na década de 1820, apenas cinquenta anos antes da estreia; em Lakmé, a trama é situada na época da composição.
Além disso, como aponta Parakitas: “Se óperas da Era dos Descobrimentos, nas quais a mulher exótica escolhe ser assimilada à cultura europeia, representam a confiança dos Europeus no poder da sua cultura contra outras culturas, as óperas do Soldado e do Exótico, nas quais ela não assimila [a cultura], não representam o declínio da confiança europeia, mas um ponto de inflexão do foco artístico para algo novo: a frustração que o poder não pode curar, não apenas na empreitada colonial, mas na experiência social em geral”.
Para escrever o libreto, Edmond Gondinet e Philippe Gille se basearam principalmente em duas fontes: Le Mariage de Loti (1880), de Pierre Loti, romancista da moda, e, sobretudo, em Les Babouches du Brahmane, uma das Scènes de la vie anglo-hindoue, do indianista Théodore Pavie, publicada em 1849 na popular Revue des Deux Mondes.
Lakmé, a jovem filha do brâmane, possui uma fé pura e verdadeira e é uma espécie de protetora para o povo dominado pela colonização inglesa: ela “se julga pertencente a uma raça pouco inferior à dos deuses, muito superior à dos homens”, para usar as palavras com que Pavie apresenta a sua heroína (que em sua obra ganhou o nome de Roukminie). Ela vive entre a natureza e as suas joias, e sob a rígida proteção do pai, Nilakantha, que prega contra a ocupação inglesa, contra os seus opressores.
Não longe deles, cinco ingleses, três mulheres e dois soldados, de forma irreverente, conversavam sobre esse exótico país, e se questionavam se as mulheres indianas eram muito diferentes das inglesas. Para Ellen, noiva de Gérald, as mulheres indianas sabiam como encantar, mas as inglesas, como amar. Gérald e Frédéric se mostram mais sensíveis a essa civilização indiana que suas noivas. Os encantos e mistérios dessa cultura tão diferente despertaram a fantasia de Gérald, que acaba se apaixonando por Lakmé antes mesmo de a ver: ele se apaixonou pelos mistérios e pelo ambiente que a cercam, pela ideia da jovem sagrada, e ficou como que encantado ao ver o esplendor das suas joias. Não se trata, pois, da batida ideia de amor à primeira vista. Quando se encontram, a doçura e a ousadia do soldado também despertam sentimentos em Lakmé, que se preocupa em proteger Gérald da vingança do pai e da morte. Lakmé consegue salvar Gérald, mas, ao constatar a impossibilidade de realizar o seu amor em vida, ao constatar que ele não trocará o seu exército e o seu país por ela, envenena-se com as flores e morre. Gérald estava disposto a morrer por sua honra, mas não por Lakmé: quando ela lhe propôs que se escondesse, retrucou que preferia morrer; Lakmé, por sua vez, estava disposta a morrer por Gérald.
E “ela morre, a última filha de um mundo meio desaparecido, relíquia frágil de uma poesia que a nossa civilização prática está apagando”, escreveu, em 1889, o crítico Camille Bellaigue, em seu L’Anné Musicale, deixando claro que a obra falou à sociedade europeia do seu tempo – um tempo em que a expansão imperialista trazia certo incômodo.
O tema da religião pode parecer aproximar Lakmé das óperas que tratam da era dos descobrimentos. Como aponta Parakitas, porém, a situação aqui é bem diferente e oposta à que aparece naquelas óperas: é Lakmé, a mulher exótica, que propõe a Gérald, o soldado europeu, que se converta ao hinduísmo.
Os ingleses
É interessante lembrar que, quando Lakmé estava sendo composta, nem sempre o soldado foi inglês, e a mulher exótica, uma indiana. A ideia de Lakmé surgiu a partir do livro de Loti, que se passa no Taiti, pertencente à França. Em 1881, os libretistas sugeriram a Delibes a leitura de Loti: “A cor, a ideia de uma paixão selvagem em choque com nossa civilização europeia nos parecem sedutoras”. Foi só depois que encontraram, na novela de Pavi, a trama ideal, e em uma colônia britânica, e não francesa, evitando eventuais problemas. A escolha da colônia inglesa vinha ainda de encontro à grande anglofobia da época. Segundo Pauline Girard no programa da Opéra Comique, o inglês incarnava a sociedade industrial e os seus efeitos perversos.
A forma contemporânea como os ingleses foram retratados, bem como a linguagem musical para eles utilizada (como discutiremos a seguir) foram bastante eficientes. Girard cita o jornalista Louis Besson, que, na época, escreveu sobre eles: “são as pessoas mais desagradáveis do mundo, tanto no teatro quanto na cidade”.
Também Bellaigue se incomodou com o inglês contemporâneo e com o contraste criado na ópera: “Eu não queria aqui [no palco] os soldados (…) [com uniformes], nem as misses com os vestidos da moda (…). Entre a poesia da Índia e a civilização europeia, o contraste me choca, em lugar de me divertir”.
Opéra-comique ou opéra?
“O cartaz menciona opéra-comique; a partitura, ela, indica opéra. Em qual devo crer?”, questionou Ernest Reyer na edição de 22 de abril de 1883 do Journal des Débats, poucos dias após a estreia de Lakmé, no dia 14 do mesmo mês. A resposta não é simples, e envolve questões inerentes ao estilo de opéra-comique, que foi se modificando ao longo dos séculos XVIII e XIX, bem como certa indefinição proposital de Lakmé. De forma bastante simplificada, a opéra-comique se caracteriza pela mistura entre diálogos falados e partes cantadas – e a quantidade de diálogos falados foi diminuindo ao longo dos anos. Em geral, a música não é sofisticada, e há algumas cenas cômicas.
Lakmé estreou com diálogos, mas, posteriormente, para facilitar a realização em outros países, Delibes os substituiu por recitativos, distanciando um pouco a obra da opéra-comique. Foi essa versão com recitativos a apresentada em Zurique. Pensando, sobretudo, na versão original, Lakmé possui as características de opéra-comique, mas somente quando os ingleses estão em ação: apenas entre os ingleses há diálogos falados, a música das cenas em que eles aparecem não é sofisticada, e há elementos cômicos, caricatos. Já os indianos apenas cantam, e o seu canto é muito mais lírico, muito mais poético, legato. Além disso, entre os indianos há um problema social: a sua cultura está sendo ameaçada pelo colonizador, e há uma morte (a de Lakmé), o que, até meados do século XIX, era inadmissível na Opéra Comique.
É bem verdade: na versão com diálogos, Hadji, servo de Lakmé, fala no segundo ato, quando se declara totalmente fiel a ela, que está disposto inclusive a salvar Gérald (“Si tu as un ami à sauver, ordonne!”), mas, no caso, o texto conta com acompanhamento musical, é um mélodrame, e não um texto falado nos moldes da opéra-comique. No início do mesmo ato, no delicioso coro do mercado, os indianos cantam uma música ligeira, alegre, estrófica, nada lírica, e com frases curtas. Nada mais natural: estão se comunicando com os ingleses, e usam, pois, a linguagem musical típica deles para atraí-los a consumir as mercadorias – mesmo assim, o ritmo indica um certo exotismo. Do lado dos ingleses, Gérald tem momentos líricos, mas apenas quando está diante de Lakmé (ou, como no primeiro ato, diante das joias, já sob os efeitos do encantamento).
Em resumo, como escreveu o maetro Raphaël Pichon no programa da Opéra Comique, “A força e a singularidade de ‘Lakmé’ estão em fazer uma reviravolta na antiga questão dos gêneros, e em confrontar ‘opéra’ e ‘opéra-comique’, e assim a alternância entre números musicais e diálogos versus uma utilização contínua da música, em um projeto novo, para fazer essas duas escritas entrarem em colisão ao remodelar o seu uso. (…) Delibes concebe, pois, uma obra que alterna o grotesco e o sublime, uma partitura que traduz o choque produzido pelo encontro de um universo apresentado como vasto, imemorável, misterioso e límpido, e uma realidade trivial, feita de comentários superficiais e de comportamentos cínicos. À primeira, será reservada a ‘opéra’, e à segunda, a ‘opéra-comique’. O resultado desse confronto é uma obra inclassificável (…)”.
Não nos esqueçamos que o contraste entre esses dois mundos distintos, tão forte na música, já vem do libreto. Se tomado apenas o resumo da trama, o libreto de Lakmé pode parecer banal, mas, quando devidamente analisado, o que se vê é uma linguagem poética e uma estrutura muito bem elaborada.
O exotismo
O exotismo também está presente na música e, como apontou Parakita, tem uma função dramática: “não tanto para caracterizar a mulher exótica e a sua cultura, mas para as linhas de conflito entre o exótico e o europeu”. Ao tratar do exótico em “The Exotic in Nineteenth-Century French Opera”, Ralph Locke observa que é difícil determinar se um compositor de determinada época escolheu os elementos musicais não usuais julgando que se pareciam com elementos típicos da região que queria retratar, ou se, simplesmente, por serem elementos estranhos, grotescos, e, assim, sem grande preocupação em retratar um determinado povo. No caso de Lakmé, tendo a concordar com o que Raphaël Pichon escreveu no programa da Opéra Comique: “Delibes teve a honestidade e a lucidez de não pretender nos levar à Índia. Ele introduziu a Índia como o pretexto que permitiu à sua escritura musical que inventasse e que desse vida a um país distante. Sua música parece vir de toda parte e de lugar nenhum, ela tem as qualidades de um lugar impalpável, intangível, de um mundo de cristal onde, por aqui, passa uma canção atemporal, e por ali, uma melodia imemorial…”.
A percepção musical de Pichon é confirmada pelo fato de, como já observamos, a ideia de Lakmé ter surgido a partir do livro de Loti, ou seja, o foco não estava na Índia, mas na paixão “selvagem” que encantou os libretistas.
Seria uma simplificação grosseira pensar que toda a música atribuída aos hindus é exótica, enquanto aquela atribuída aos ingleses é puramente europeia. Há elementos de exotismo na música “inglesa”, e o prelúdio do segundo ato, conhecido como Les Fifres, baseado em uma melodia inglesa, é um ótimo exemplo – afinal, como já observamos, o inglês não era visto com bons olhos, também era um “outro”, como os indianos. Do lado dos hindus, conforme já comentamos, há música que está mais para o lirismo, para o sublime, como escreveu Pichon, o que a aproxima da linguagem típica da opéra. Assim é a música atribuída a Lakmé.
Lakmé aparece pela primeira vez, em sua prece inicial, repleta de melismas, com uma mistura entre o sublime e o exótico. Depois, no dueto das flores com Mallika, canta uma barcarolle – e é assim que se apresenta a Gérald, sem exotismo, é assim que são os seus duetos. É diferente, portanto, do que ocorre em Carmen, não é o exotismo musical, uma dança exótica, sensual, que atrai o soldado europeu – não nos esqueçamos: ele já havia se encantado e se apaixonado antes mesmo de a conhecer. A ária dos sinos começa exótica, repleta de melismas, mas termina sem exotismo: “quando Lakmé transforma a canção de artefato cultural em expressão pessoal, seu efeito exótico desaparece”, aponta Parikilas. Esse tratamento musical universaliza Lakmé, e mostra que, ao contrário do que disse Ellen, a mulher indiana também sabe amar, e tanto ou mais que a inglesa.
Interpretação
Lakmé foi composta sob medida para a jovem soprano coloratura americana Marie Van Zandt, que havia triunfado em seu debut na Opéra Comique no papel-título de Mignon, de Ambroise Thomas. Ela foi, sem dúvida, a primeira grande Lakmé. Segundo as crônicas da época, porém, quem obteve maior sucesso na estreia foi Jean-Alexandre Talazac, o tenor, inclusive com direito a “bis”.
Depois dela, grandes cantoras interpretaram o papel e, felizmente, realizaram gravações, como Lily Pons, Mado Robin, Joan Sutherland, Mady Mesplé, Natalie Dessay e, atualmente, Sabine Devieilhe. Aos meus ouvidos é especialmente convincente a personagem criada por sopranos com voz leve, que transmite algo entre infantil, delicado e mágico, como Mesplé, Dessay e Devieilhe. É importante lembrar que a qualidade das gravações, que varia de acordo com a época em que foram realizadas, sempre interfere na apreciação. Apesar disso, embora Robin e Mesplé ocupem lugar de honra no panteão das Lakmés, é inovadora a gravação de Dessay, cuja paixão aflora, enquanto a voz, etérea, explora com naturalidade os sobreagudos. O efeito resultante é quase sobrenatural.
Sobrenatural, embora em sentido um pouco diferente, também é um adjetivo que descreve bem a interpretação com que Sabine Devieilhe brindou o público que lotou a ópera de Zurique para ouvi-la. Não foi apenas a pureza da voz, não foi apenas a técnica perfeita: ela parecia vir de outro plano, parecia estar atuando sozinha, a uma distância tal dos demais que pôde se blindar de atitudes inaceitáveis, como as do tenor uruguaio Edgardo Rocha, que a abandonava no meio de um dueto, sem fazer cerimônia, e ia para o meio do palco ler a sua partitura, colocada sobre a única estante presente nessa produção semiencenada.
Em entrevista à France Musique, Devieilhe lembrou que Lakmé não é só o virtuosismo da ária dos sinos, que o mais importante, claro, é a interpretação da personagem. E ela foi magistral nesse quesito: com a sua voz homogênea, totalmente sob controle, legato perfeito, foi minuciosa no manejo da dinâmica, bem como na cor e na entonação com que sublinhava as palavras e os estados emocionais da personagem. Seu francês foi totalmente compreensível, não somente por ser ela uma cantora francesa, mas por ter uma dicção clara e um francês cantado não muito distante do falado. Seu legato e seus pianíssimos foram sublimes, sobretudo na cena final. Não à toa, foi aplaudida de pé por boa parte do público.
Com a exceção de Devieilhe e de Bozena Bujnicka, membro do programa internacional de Opernstudios que interpretou Rose, os outros cantores estavam estreando em seus papeis. Foi de grande beleza o dueto das flores entre a Lakmé de Devieilhe e a Mallika de Siena Licht Miller. As duas vozes timbraram perfeitamente, sem que se perdesse o essencial contraste entre elas.
Todo o elenco foi de grande nível: o Frédéric de Björn Bürger, a Ellen de Sandra Hamaoui, a Rose de Bozena Bujnicka, a Mistress Benson de Irëne Friedli, e o Hadji de Saveliy Andreev. Em sua estreia não só no papel de Nilakantha, mas também na Ópera de Zurique, o barítono canadense Philippe Sly foi excelente. Com o seu belo timbre, a bela linha de canto e a dicção clara, encarnou um Nilakantha paternal, foi realmente aquele líder religioso, devoto de Lakmé, que opta pela vingança por não conhecer outra alternativa.O tenor Edgardo Rocha teve, no início da sua carreira, uma importante ligação com o Brasil: em 2007, em seu primeiro compromisso internacional, foi vencedor do Concurso de Canto Maria Callas. Dali em diante, partiu para uma importante carreira internacional, e frequenta os melhores palcos do mundo, dentre eles o de Zurique. Para mim, em especial, foi bastante interessante a experiência de vê-lo em cena apenas três dias depois de ter feito parte do júri da edição de 2023 do mesmo concurso. Já reclamei, acima, da postura de Rocha, que parecia não estar com o papel pronto para uma apresentação semiencenada, mas ele possui um belo timbre e uma voz muito bem colocada, que se projeta muito bem. É, em resumo, um bom cantor. Talvez tenha ficado devendo algum lirismo, mas, por outro lado, conforme já discutimos acima, certa falta de lirismo por parte dos ingleses é até desejável, e, assim, criou-se um interessante contraste entre o seu canto e o de Devieilhe.
Preparado por Janko Kastelic, foi ótima a participação do Coro da Ópera de Zurique, composto por coralistas de mais de vinte nacionalidades e cujas vozes timbram tão bem. Foi especialmente deliciosa a cena do mercado, no início do segundo ato.
Sob a regência de Alexander Joel, a Philharmonie Zürich transmitiu todo o colorido e o encanto da música de Delibes: com vigor e brilho, mas sem jamais encobrir os cantores, sem jamais perder a delicadeza.
Como tem sido comum em apresentações de Lakmé, houve cortes, concentrados especialmente no início do segundo ato: foram suprimidos o prelúdio e todas as danças.
Apesar dos cortes, da versão com recitativos e semiencenada, e do tenor indo buscar socorro em sua partitura… nada diminuiu o brilho do requinte musical dessa bela Lakmé de Zurique.